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Kitabı oxu: «Diccionario de João Fernandes»

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A QUEM LER

Por bem entendido orgulho, resolveu o auctor d'este livro não privar o seu nome da gratidão dos contemporaneos. Honra lhe seja!

Do seu trabalho se póde dizer sem lisonja; que reune o utile dulce. Instrue e deleita, inspirou-lh'o um opusculo francez, de indole similhante, intitulado: Le Carnaval du Dictionnaire.

Pretendeu o nosso auctor demonstrar que tambem a riquissima lingua portugueza se presta a graciosas evoluções, aos traits d'esprit, e ao humour dos idiomas francez e inglez. Ousará alguem dizer que elle se não saiu victorioso da empreza? Estou que ninguem se atreve. Bons ditos, agudezas, epigrammas, finas ironias, satyras, critica de costumes, tudo aqui se encontra, mais ou menos floreado, conforme requer cada assumpto.

É possivel que não falte quem faça má cara ás definições simples e claras da maioria dos vocabulos; e que por essa mesma ingenuidade não as acreditem nem acceitem. O auctor não se desconsola por isso. Elle sabe que quanto mais grosseiro for um erro, mais facilmente será admittido; ao passo que raros crêem na verdade pura. Ha pouco mais de trezentos annos ainda se suppunha que as marrecas (aves similhantes ao patos) nasciam da madeira dos mastros, dos remos e das tabuas de barcos velhos apodrecidos pelas aguas; e quando Childrai asseverou que as tinha visto ao norte da Escocia pôr e chocar os ovos como os outros palmipedes, pouco faltou para que o engulissem vivo! O abbade de Valmont, refutando-o em pomposos discursos, no começo do seculo passado, provava triumphantemente, com applauso de todo o mundo sabio, que, sendo as marrecas «animaes de sangue frio, como os peixes, não podiam chocar», e que as perseves eram larvas de marreca e tambem plantas marinhas, e que d'ellas se formavam as citadas aves!

Nada custa mais a acceitar do que as verdades singelas, sobretudo se ellas não lisonjeiam a tolice humana! Ora o auctor tem a consciencia de não haver commettido esse peccado, assim como a de ter feito uma obra digna do seu tempo. Rôam-n'a, portanto, como podérem: a posteridade lhe fará justiça.

No apimentado da linguagem seguiu-se o systema do sabio Raspail, com o fim de afugentar os vermes… litterarios. Os conceitos, assim temperados, não embucharão tanto os estomagos exquisitos, embora algumas vezes produzam irritabilidade passageira, proveitosa para todos os lymphaticos.

Por entre os gracejos encontram-se muitas verdades instructivas, com applicação ás creaturas hypocondriacas e dyspepticas. Não ignorava o nosso auctor que trabalhava para o futuro, e que o seu livro seria o unico diccionario serio adoptado por vindouros illustrados; mas nem se desvaneceu com essa certeza, nem quiz em monumento de tão sublime lavor titulo de armar ao effeito. Podia ter-lhe chamado, com assás de propriedade, Diccionario de pimenta na lingua, ou, mais cruamente, tira-pelle, escacha-pecegueiros, leva couro e cabello, etc. Preferiu, comtudo, o simples titulo de Diccionario de João Fernandes para o maior padrão da moderna litteratura portugueza. Que modestia, tão digna de elogio no seculo corrupto em que todos se gabam e louvam a si publicamente!

E comtudo o que mais estava aqui a calhar era Diccionario raboleva. Cousa de pôr e tirar, sem a minima idéa de offender, que não faz mal nenhum, e que vem tanto a proposito n'estes tempos de carnaval perpetuo. Raboleva é como quem diz carapuça. Mas a carapuça, no sentido intimo e transcendental, é invisivel para todos e só a sente quem a põe. Ao passo que o raboleva são os outros que o vêem em nós e nos gritam:

– Raboleva!

Que admiravel invenção! É claro que só os tolos lhe não achariam graça. Confessem, porém, todos que o não forem, que o auctor foi o homem mais modesto do seu tempo, privando a sua obra d'esse titulo palpitante de actualidade, e assim provarão que sabem ser superiores a invejas mesquinhas.

O livro porém não carece de nomes pomposos para se tornar celebre. Elle ahi vae, eu acho-o bom, sou de voto que o approvem para os collegios, que o compre toda a gente, e peço a immortalidade que me compete… a seis tostões por cabeça.

João Fernandes

Auctor da dita obra.

N. B.P. S. Os artigos desengraçados, ou obscuros, não são meus. Traduzi-os do francez e do chin. Eu só fiz os que teem graça.

J. F.

A

ABA– Diz-se de mesa, em vulgar; mas no estylo poetico toma-se por petala da flor chamada orçamento, onde pousam mais zangãos do que abelhas.

ABADA– Por um singular capricho da lingua dá-se este nome ao corno do rhinoceronte, e ás canastradas de leis mais duras de roer, que os parlamentos approvam sem exame, no fim das suas sessões!

ABAETADO– Panno grosseiro com que alguns grandes homens vestem a sua delicadeza.

ABAFADIÇO– O ar da independencia, para certos patriotas.

ABAFADO– Vinhito soffrivel antes de se ter inventado o oidium, a philoxera, a flor de enxofre, a baga de sabugueiro, o campeche, a anilina, a fuchsina, e outros ingredientes capazes de estoirar o estomago do grande diabo.

ABAFADOR– Sujeito que não deixa fallar os outros.

– Amigo zeloso, que abafa o alheio para que se não constipe.

ABAFAR– O mesmo que atabafar; cobrir ou esconder o que é dos outros, de modo que os donos não vejam.

ABAIXAR-SE– Maneira de poder andar seguro por caminhos difficeis.

ABALISADO– Grande comedor.

ABJECÇÃO– Usar botas sem meias.

ABJURAR– Tem, em politica, muitos significados pittorescos: virar a casaca, mudar de cara, roer a corda, passar o pé, atirar as cangalhas a terra, etc.

Em religião: Deitar um rombo de madeira nova n'um barco podre.

ABSOLVIÇÃO– Dar um bispado in partibus infidelium.

ABUSO– Planta nociva, que gréla e rebenta por toda a parte.

– As verrugas nacionaes.

ACADEMIA– Cozinha litteraria e scientifica, da qual nem todas as comidas são gratas ao paladar.

AÇAMO– Ponto de contacto entre o cão e o jornalista, nos paizes em que a rolha faz parte das instituições.

ACANHADA (MULHER) – Capilé de cavallinho.

ACANHAMENTO– Casaco apertado.

ACCIONISTA– Unica especie de mosca, que se apanha com vinagre… de sete ladrões.

ACEIO– O luxo do pobre… que elle raras vezes tem.

ACTOR– Proteo por conta alheia.

ACTRIZ– Espelho de reflectir paixões.

– Flor artificial.

ADMIRAÇÃO– Sentimento que só nos acommette diante das nossas obras, ou quando nos vemos ao espelho.

ADULAÇÃO– Musica da aria do servilismo.

ADVOGADO– Actor que representa autos.

AFFEIÇOADO– O que apenas diz mal de nós, em vez de tambem nos bater.

AGIOTAGEM– Montado, onde se engordam aves de rapina.

– Monturo, onde os cogumellos são venenosos.

AGUARara avis in Olissipone.

– O sonho de Lisboa.

– Cousa que muitos corpos nunca viram.

– Horror de certas caras.

AJUDA (DE CUSTO) – Clyster que todos gramam com gosto.

ALBUM– Victima que faz victimas. É o caso de exclamar: Abyssus abyssum invocat.

– Machina de achatar poetas.

ALCANCE– Descuido intelligente que faz correr dinheiro dos cofres publicos para os particulares.

ALEGRIA– Premio na loteria da vida.

ALEXANDRINO– Verso: o elephante da poesia.

– Homem: o pigmeu dos Alexandres.

ALGIBEIRA (CHEIA) – Alma nova.

– (VAZIA) Veia sem pinga de sangue.

ALGODÃO– Materia prima da belleza plastica. Tranquillisae-vos, senhoras; todos fazemos de conta que não percebemos.

ALIMENTICIOS (GENEROS) – Misturada infernal, em que todos os artigos teem drogas suspeitas. Ha de vir um tempo em que o consumidor, para se livrar de ser roubado e envenenado, com assentimento da auctoridade publica, terá de ir procurar a subsistencia nas origens de todos os generos. Mais claro: Para comer sem repugnancia e sem perigo, terá que imitar os quadrupedes, e, posto ao lado d'elles, pastar nos campos o trigo infantil e virgem de toda a combinação toxica. Concorrerá com os cães ás vinhas, e ahi se regalará com os puros cachos ideaes (estylo da idéa nova), isentos do mistiforio horrendo que mais tarde lhes mistura no sumo o taberneiro boçal, ou qualquer outro ladrão e assassino da mesma laia. Cortará o seu bife do boi vivo (á moda dos bemaventurados do paraizo scandinavo, que os comem de um javali sempre inteiro), e mamará com os vitellos seus collaços a manteiga e o queijo na fonte original da têta incorrupta (salvo o caso de ter bexiga, o que desde logo nos evitará a vaccina). Emfim, senhores tendeiros, merceeiros, commercieiros, taberneiros, leiteiros, açougueiros, peixeiros e mais varões da magna caterva dos envenenadores publicos (excepções honradas á parte, se ainda as ha), em chegando esse tempo, que os vossos abusos attrahem fatalmente, levar-vos-hão todos os diabos e ás vossas caranguejolas de chimica assassina, o que será de grande allivio para o resto da humanidade e de jubilo para este que vos admira como fluidos, e vos detesta como patifes, se acaso o sois, o que não é licito duvidar. Para esse tempo espero em Deus que a vossa raiva impotente vos faça rebentar como morteiros em arraial saloio. Amen.

ALLOPATHIA– Antiga companhia de pompas funebres, furiosa por lhe terem creado concorrentes ao seu monopolio.

ALMANACH– Pasteleiro sem môlho.

ALVEITAR– Pobres bestas! Não poderem, ao menos como nós, dizer onde lhes doe, para que as matem em regra!..

ALVEITARIA– Arte de estoirar brutos.

ALVIELLA (RIO QUE HA DE TRAZER AGUA A LISBOA) – Um mytho.

AMA– Caricatura da maternidade.

AMABILIDADE– Virtude dos ministros que promettem sem tenção de cumprir.

– Chave de abrir corações.

AMADORES (DE TOURADAS) – Membros das sociedades protectoras dos animaes.

– (DE BELLAS ARTES) Entes inoffensivos, que os artistas fingem tomar a serio para que lhes comprem as obras.

– (DE ANTIGUIDADES) Victimas felizes da industria moderna.

– (DA BELLEZA FEMININA) Idealistas.

– (DE THEATRO) Estomagos de bronze, que digerem desde a lama do lupanar e o opio até o chavelho e o ferro velho.

– (DE BOA MESA) São as pessoas mais rasoaveis, e assim mesmo se lhes impinge a miude gato por lebre.

AMAR– Soffrer, desde a dor de cotovello até á colica do medo.

– Preludio de bebedeira.

AMARGURA– Rua que vae da cadeia ao tribunal.

AMBIÇÃO– A nossa, é sempre nobre. A dos outros, baixa e vil.

AMIGO– Inimigo domesticado.

AMIGOS– Sujeitos de que é bom desconfiar para se não ser logrado.

AMISADE– Pedra philosophal do janota.

– Chapéu de chuva que se volta do avesso logo que ha mau tempo.

AMOLAR– Passar a lingua sobre as manchas da reputação alheia, para as lavar, á maneira do gato.

AMOR– Pedra preciosa, que se dava de graça, e por isso desappareceu ha muito tempo.

– Jovens incautas, desconfiae das paixões a vintem a linha nos annuncios dos jornaes. Se os pretendentes serios falham tantas vezes, que esperaes dos que se vos apresentam a declamar prosa pifia e sem grammatica, entre o bacalhau frescal dos srs. Martins, e os chapéus da sr.ª D. Cecilia?

ANALPHABETO– O mais feliz dos entes. Perdôem os partidistas da instrucção a todo o transe. Antes de se pensar na escola seria util dar pão aos que se pretendem obrigar a frequental-a. Crear-lhes, em vez disso, necessidades que traz a educação, sem lhes proporcionar os meios de as satisfazer, não é beneficial-os, é pervertel-os. Desculpem ss. ex.as a este pobre diabo, que apalpa com frequencia o positivismo da vida por falta de tempo e de pachorra para subir aos mundos ideaes. Peço-lhes, porém, que, antes de legislar, estudem um pouco o homem. As suas illustres pessoas são as que lhes ficam mais á mão. Consultem-se a si proprios, e digam se, conscios como devem ser dos seus merecimentos, os julgam convenientemente reconhecidos e remunerados pela sociedade. No caso de se acharem bem retribuidos, plenamente satisfeitos com a sua sorte, e convencidos de que não teem direito para aspirar a melhor estado, decretem a instrucção obrigatoria; e não só a primaria e secundaria, senão tambem a superior. Se, porém, julgam que a sua intelligencia, os seus talentos e estudos merecem mais alta consideração, os que pretendem educar virão tambem dentro em pouco a ter de si proprios igual opinião. E não tendo ss. ex.as meio de se melhorarem a si, como poderão satisfazer as necessidades que terão creado aos povos, a uma nação inteira? Não citem a Allemanha a proposito de tudo, porque já parece desproposito. A Allemanha, sobretudo a Prussia, onde todos sabem ler, não tem talvez um unico habitante contente com a sua sorte. Despeja-os aos milhares nos Estados Unidos, e como este paiz já rejeita emigrantes, procura no Brazil um ponto, onde caibam 500:000 de uma assentada!

Este magno assumpto não é para aqui. Mas, repito, que será bom dar primeiro o pão aos que o não teem, e depois muito embora lhes dêem o ensino. Meus senhores, muito boa noite. Estou a caír com somno, e faço a vv. ex.as a justiça de acreditar que não terão menos do que eu, depois de lerem este artigo.

ANARCHIA– Isso é com os sabios modernos.

ANATOMIA– Arte de aprender a trinchar sem garfo.

ANTECAMARA– Logar onde os que são mais lacaios não usam libré.

ANTHROPOPHAGO– Agiota que faz muito negocio.

ANZOL– Rapariga bonita.

– Velha endinheirada.

APAGADOR (PARLAMENTAR) – Coveiro da eloquencia.

APITO– Grillo, que em vez de estar engaiolado, na maioria dos casos, leva outros para a gaiola.

APOIO– Perguntem aos pobres ministros quanto lhes custa o de certas firmas…

– Muletas de oiro.

APOLLO– Improvisador do fado.

APOLOGO– O alfaiate da verdade.

APOPLEXIA (FULMINANTE) – Premio grande na loteria dos infelizes.

– (PARCIAL) Primeiro aviso para o pagamento da contribuição… á morte.

– Mandado de despejo sem aviso previo.

APOSTASIA– Jogo da cabra cega.

APPARENCIAS– O pudor da sociedade.

– A primeira cousa que se deve salvar em todos os naufragios.

APPETITE– Socio gerente do estomago.

APPROVAR– Serviço das maiorias parlamentares.

ARCO– Dizendo as auctoridades que é monumental, preparem-se para ver uma cousa feia, pesada, que esmaga a vista, o espirito e o gosto, mistiforio de todos os estylos, sem ter nenhum, amontoamento de pedregulhos enormes, um aleijão, emfim, que custa centos de contos de réis e entretem, durante longos annos, os ocios dos basbaques e os dos comedores.

– Sendo arco simples, procurem nas pipas.

ARGUMENTO– Metralhadoras em exercicio.

ARMA– Muleta do absurdo.

ARQUEADO– Sevandija.

ARQUEAMENTO– Estylo das pessoas que teem a espinha dorsal muito elastica e a cabeça com pendor para o lado… da sabujice.

ARREATA– Um artigo de fé absolutista; mais necessario a certos homens do que a certas bestas.

ARREPENDIMENTO– Caldo requentado.

ARSENICO– O vinho que se vende nas tabernas de Lisboa. O povo chama-lhe judiciosamente mata-ratos.

ARTISTA– Pessoa engenhosa, que agenceia a vida nas algibeiras alheias.

– Malandrino, desde que a qualificação se passou das bellas para as malas-artes.

ARVORE– É n'ella que o homem corrige Deus e a natureza, affeiçoando-a de modo que, segundo a sua opinião, fica mais graciosa do que a fizera o Creador.

ASNEIRA– Uns por não ver, outros sem saber e muitos sem querer: todos a fazem viver.

– Cala-te e pára! O que ias dizer, é uma; o que tentas fazer, é outra.

– Sentinella, brada ás armas, que s. ex.ª vae passar.

– Quem poderá gabar-se de não lhe render preito?!

– Divindade que está em toda a parte.

ASNO– Parece que foi aos de dois pés que Deus disse: «Crescei e multiplicae-vos». O seu numero tem encarecido tanto a palha, que já se dá pão a muitos.

– Tão feliz, que até suppõe que o não conhecem!

ASQUEROSO– Escriptor sem vergonha. É o piolho da litteratura.

ASSASSINO– Sujeito que arranja meio de viajar de graça… para a Africa.

ATHEU– Innovador da peior especie. Crê que as machinas precisam de que alguem lhes dê impulso para poderem andar, e duvida de que o universo tenha um regulador supremo! Senhor, Senhor! Para quem creaste a palha?!..

ATTESTADO– Chave falsa, que se dá ao creado despedido para elle se introduzir na casa alheia.

ATRAZADO– Relogio do progresso portuguez. Quanto mais lhe mexem, peior fica e mais vezes pára.

AUCTOR– Ente paradoxal. Acredita no seu talento.

– Parodia de Deus.

AUCTORISAÇÃO (DOS PARLAMENTOS AOS GOVERNOS) – Viagem por mar desconhecido.

AUDACIAAudaces fortuna juvat. Traduzido em vulgar, quer dizer: Quem for tolo, peça a Deus que o mate e ao diabo que o carregue.

– Talento dos insignificantes.

AVARENTO– Homem que aferrolha no limbo da arca as almas das algibeiras.

AVENTUROSO– Espirito de gato.

AZEDO– Chefe de repartição que tem a consciencia de valer menos que os seus subalternos.

AZORRAGUE– Instrumento muito eloquente, quando o tocam com alma.

AZUL– A côr do céu, a do mar e a do ministro derrotado pelas côrtes.