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Kitabı oxu: «Flores do Campo»

Şrift:

EMBLEMA

Camões e Byron— Scepticismo e Crença
 
Vem d’alto gozar, lirio!
Noite estrellada e tepida;
A vista ao céo intrepida
Lança, penetra o Empyreo.
 
 
Dilata os seios tumidos;
Larga este terreo albergue;
Nas azas d’alma te ergue;
Ergue os teus olhos humidos
 
 
Que vês?– Soes, de tal sorte
Que os crêra tochas pallidas,
Quando as guedelhas, madidas
De sangue, arrasta a morte.
 
 
– Transpõe-n’os; que, elevando-te,
Por cada um d’aquelles,
Milhões e milhões d’elles
Verás alumiando-te.
 
 
Ávante pois, acima
Dos soes d’uma luz tremula;
Alma dos anjos emula!
Deus o teu vôo anima.
 
 
Que vês?– Um vacuo eterno.
– E n’elle?– Em ermo tumulo,
Em ignea letra (cumulo
D’horror) Byron— o inferno.
 
 
– Foge.– O horror fascina-me.
São reprobos que exhalam
Horridos ais que abalam
O inferno: oh Deus! anima-me.
 
 
– Escuta-os.– Escutemol-os.
Como elles bramem, rugem,
E o espaço uivando estrugem…
Gelam-se os membros tremulos.
 
 
– Entra.– Não posso.– Arromba.
– Prohibem-m’o.– Subleva-te.
– Prohibe-o Deus.– Eleva-te.
Acima, ingenua pomba!
 
 
Que vês? A luz clareia-me.
Que céo, que azul ethereo!
Oh extasi, oh mysterio!
Sobeja a vida, anceia-me.
 
 
– Falla.– Deus! que harmonia!
Aqui a alma exalta-se;
A alma aqui dilata-se…
Camões!– É a poesia.
 

Coimbra.

A UMA CARTA ANONYMA

 
Não sabe a flôr quem manda a luz do dia,
Nem quem lhe esparge o nectar que a deleita
Ao vir raiando a aurora,
E ella agradece as lagrimas que aceita,
E ella as converte em balsamos que envia
zAo mysterio, que adora.
 

Lamartine.

Coimbra.

DUAS ROSAS

 
Que bonita, meu amor!
Que perfeita, que formosa!
A ti pozeram-te Rosa,
Não te fizeram favor.
A rosa, quem ha que a veja
Bandeando, sem gostar?
Mas por mais linda que seja
A rosa, quando se embala,
Não te ganha nem iguala
A ti em indo a andar.
 
 
A rosa tem linda côr,
Não ha flôr de côr mais linda;
Mas a tua côr ainda
É mais fina e é melhor.
Murcha a rosa (que desgosto!)
Só de lhe a gente bulir;
E essas rosas do teu rosto
É em alguem te tocando
Que parece mesmo quando
Ellas acabam de abrir.
 
 
Cheiro, o da rosa, esse não,
Não é mais do meu agrado,
Que o teu bafo perfumado,
A tua respiração.
Depois a rosa em abrindo
Vai-se-lhe o cheiro tambem:
A tua bocca em te rindo
Só o bom cheiro que exhala…
E quando fallas, a falla,
Isso é que a rosa não tem.
 
 
Ella o que tem, meu amor?
O cheiro, a côr e mais nada.
Confessa, rosa animada!
Que és outra casta de flôr.
Os olhos só elles valem
Duas estrellas, bem vês;
Pois vozes que a tua igualem
Na doçura, na pureza,
Na terra, não, com certeza;
Agora no céo, talvez.
 
 
Não ha assim perfeição,
Não ha nada tão perfeito,
Mas é um grande defeito
O de não ter coração.
N’isso é que te leva a palma
A rosa, sendo uma flôr
– Sem voz, sem vida, sem alma,
Que abre logo á luz da aurora
E á noite esconde-se e chora
Pelo sol, o seu amor.
 
 
Ora e se a rosa, vê bem,
Tem amor, não tendo vida,
Será coisa permittida
Tu não amares ninguem?
Suppões que Deus te agradece
Essa isenção, minha flôr!
Deus a ninguem reconhece
Por filho senão quem ama:
A terra e o céo proclama
Que elle é todo puro amor.
 

Messines.

A UMA MULHER

 
Amo-te a ti, e a Deus.
Teus sonhos são riquezas
Talvez e fasto. Os meus,
És tu, que me desprezas.
 
 
Deixal-o. Amor acaso
É racional? Não é.
O fogo em que me abrazo
É como a luz da fé;
 
 
Que além de cega, apaga
O facho da razão.
Ama-se e não se indaga
Se se é amado ou não.
 
 
Amo-te. O mais ignoro.
Mas os meus ternos ais
E as lagrimas que chóro
Podem dizer o mais.
 
 
Que chóro; se te admira.
Nunca tiveste amor.
Quem tem amor, suspira,
E o suspirar é dôr.
 
 
Ah! quando abraço e beijo
O travesseiro e, assim,
Acórdo e te não vejo,
Vejo-me só a mim;
 
 
Não sei, mulher! que anceio
Se me traduz n’um ai!
Confrange-se-me o seio,
Rebenta o pranto e cái.
 
 
Então, se por encanto
Fallando em ti, mas só,
Todo banhado em pranto
Me visses, tinhas dó.
 
 
Tinhas. A piedade
É filha da mulher,
Que sempre quiz metade
D’uma afflicção qualquer.
 
 
Havias ao teu rosto
De me apertar a mim,
D’encher, fartar de gosto,
Todo este abysmo; sim.
 
 
Vós desprezaes embora
Culto e adoração
De quem vos ama; agora
As dôres, essas não.
 

Messines.

A D. CANDIDA NAZARETH

Por occasião da morte de sua irmã Rachel e, poucos dias depois, de sua mãi


 
Despe o luto da tua soledade
E vem junto de mim, lirio esquecidox
Do orvalho do céo!
Tens nos meus olhos pranto de piedade,
E se és, mulher! irmã dos que hão soffrido,
Mulher! sou irmão teu.
 
 
Consolos não te dou, que não existe
Quem de lagrimas suas nunca enxuto
Possa as d’outro enxugar:
Não póde allivios dar quem vive triste,
Mas é-me dôce a mim chorar se escuto
Alguem tambem chorar.
 
 
Botão de rosa murcho á luz da aurora!
Que peccado equilibra o teu martyrio
Na balança de Deus?
Se é como justo e bom que elle se adora
Quem te ha mudado a ti, ó rosa! em lirio,
E em lirio os labios teus?
 
 
Não enche elle de balsamos o calix
Da flôr a mais humilde, e esses espaços
Não enche elle de luz?
Não veio o Filho seu, lirio dos valles!
Só por amor de nós tomar nos braços
Os braços d’uma cruz?
 
 
Mulher, mulher! quando eu n’um cemiterio
Levanto o pó dos tumulos sósinho:
Eis, digo, eis o que eu sou.
Mas quando penso bem n’esse mysterio
Da virtude infeliz: vai teu caminho;
Dois mundos Deus creou.
 
 
Deus não dispara a setta envenenada
Á pombinha que aos ares despedira
Com mão traidora e vil.
Imagem sua, Deus não volve ao nada,
Não aniquila a flôr que ao chão cahira
Lá d’esse eterno abril.
 
 
Has-de, cysne! expirando alçar teu canto,
Has-de lá quando a lua da montanha
Te acene o extremo adeus,
Voar, Candida! ao céo, e ebria de encanto,
No oceano d’amor que as almas banha,
Unir teu canto aos seus.
 
 
Seus, d’ellas, mãi e irmã, cinzas cobertas
D’um só jacto de terra… oh desventura!
Oh destino cruel!
Vejo-as ainda ir com as mãos incertas
Guiando-se uma á outra á sepultura,
E a mãi: Rachel! Rachel!
 

Coimbra.

AMOR

 
Amo-te muito, muito.
Reluz-me o paraiso
N’um teu olhar fortuito,
N’um teu fugaz sorriso.
 
 
Quando em silencio finges
Que um beijo foi furtado
E o rosto desmaiado
De côr de rosa tinges;
 
 
Dir-se-ha que a rosa deve
Assim ficar com pejo,
Quando a furtar-lhe um beijo
O zephyro se atreve;
 
 
E ás vezes que te assalta
Não sei que idéa, joven!
Que o rosto se te esmalta
De lagrimas que chovem;
 
 
Que fogo é que em ti lavra
E as forças te aniquila,
Que choras, mas tranquilla,
E nem uma palavra?
 
 
Oh! se essa mudez tua
É como a que eu conservo,
Lá quando á noite observo
O que no céo fluctua;
 
 
Ou quando, á luz que adoro,
Ás horas do infinito,
Nas rochas de granito
Os braços cruzo e chóro;
 
 
Amamo-nos… Não cabe
Em nossa pobre lingua
O que a alma sente, á mingua
De voz, que só Deus sabe.
 

Coimbra.

A DONZELLA E O MUSGO

 
Um dia, não sei que eu tinha…
Uma tristeza tamanha!
E lembra-me ir á montanha,
Que temos aqui vizinha,
Onde em tempo me entretinha
Horas e horas sósinha
Quando ainda se não estranha
Que n’uma teia de aranha
Se prenda uma innocentinha,
Ou atraz d’uma avesinha
Se cance a vêr se a apanha.
 
 
Depois é que o mundo falla
E se mette com a vida
De quem ás vezes se cala
Por ser mais bem procedida.
Que esta gente que faz gala
Em coisa, que vê, contal-a,
E sendo mal permittida
Inda em cima acrescental-a,
Teem a lingua comprida
E bem deviam cortal-a.
 
 
Vou pelo córrego acima,
Subo á ponta do penedo;
Que a vida só quem a estima
É que da morte tem medo.
A mesma tristeza anima
A encarar a pé quedo
A morte que se aproxima
A tirar-nos do degredo,
Que inda a gente se lastima
De não acabar mais cedo.
 
 
E alli sósinha chorando
Me lembrava, ora a ventura
Da minha infancia, inda quando
Levava os dias brincando;
Ora a desgraça futura,
Que me estava annunciando
Não sei se a minha amargura,
Se uma nuvem, grande e escura,
Que se ia no ar formando
E vinha já avançando,
Como que á minha procura.
 
 
E ainda o pranto corria
E o cabello me batia
No rosto, que me doía,
Tal era a força do vento;
Já tudo tão pardacento
A nevoa e chuva fazia
Que eu olhava, mas dizia:
É nuvem ou penedia
Aquelle vulto cinzento?
O mar brilhante algum dia
Como prata luzidia
Já ninguem o distinguia
Da terra e do firmamento:
Uivar só é que se ouvia,
Mas uivar sem sentimento;
E como em grande tormento
Se desvaira a phantasia:
– Fosse eu mar, disse; valia
Mais ser coisa bruta e fria,
Como a rocha onde me sento.
 
 
Faz um trovão no momento
Que soltava esta heresia;
E áquella rouca harmonia
Occorre-me um pensamento,
Que me dá uma pancada
O coração de tal modo,
Como se o rochedo todo
Desandasse na chapada.
 
 
Era a voz da consciencia
Que me accusava do crime
De negar á Providencia
A razão com que me opprime.
Peço perdão, commovi-me
E n’um extasi sublime
Lagrimas de penitencia,
Como um balsamo, uma essencia,
Purificam-me e senti-me
Com uma nova existencia.
 
 
Ólho; as nuvens esvaíam-se:
Os roncos do mar ouviam-se,
Mas já mais de espaço a espaço.
O sol ainda tão baço,
De luz tão pouco brilhante,
Que se media a compasso
Como a cara d’um gigante,
Descobre-se e resplandece!
Ao longe o mar apparece;
E tudo, mar, terra e céos
Tão formoso me parece,
Como se agora tivesse
Sahido das mãos de Deus!
 
 
No rochedo onde descança
Meu corpo desfallecido,
O verde musgo, vestido
Sempre da côr da esperança,
Agora reverdecido,
Me ensina a ter confiança
N’esse que do céo nos lança
Em dia tempestuoso,
Só para nosso repouso
O arco da alliança.
 
 
Pobre musgo, descuidado,
Sem olhos para chorar,
Sem poder alliviar
Com seu pranto um desgraçado,
Consolar-se e consolar!
Fallas mais a meu agrado
Que o livro mais afamado
D’esses livros, que em lugar
De nos dar consolação,
Nos fazem cahir no chão
Um pranto mal empregado,
E inda mais amargurado
Nos deixam o coração.
 
 
Colhi-o, pul-o no seio,
E é hoje o livro que leio.
 

Messines.

ULTIMO ADEUS

 
Prestes, se inda na rocha de granito
D’onde em tempo me vias te sentares,
Não olhes para a terra ou para os mares,
Olha sim para o céo, que é lá que habito.
 
 
Lá tão longe de ti, mas não do terno,
Bondoso pai que os dois nos ha gerado,
Só para mágoas não, que bem guardado
Nos tem tambem no céo prazer eterno.
 
 
Não se é só pó no fim de tanta mágoa.
Senão, diga-me alguem que allivio é este
Que sinto, quando á abobada celeste
Alevanto os meus olhos rasos d’agua.
 
 
Mentem os céos tambem? Os céos maldigo.
Feras, tigres, tambem o céo povôam?
Tambem os labios lá sorrindo côam
Veneno desleal em beijo amigo?
 
 
Mas na dôr é que os astros nos sorriem,
E os homens não sorriem na desdita.
Astros! fio-me em vós, e Deus permitta
Que os infelizes sempre em vós se fiem.
 
 
Intima voz do fundo, bem do fundo
D’alma me diz (e as lagrimas me saltam):
Vês os milhões de soes que o espaço esmaltam?
Pisa a terra a teus pés, inda ha mais mundo.
 
 
Ha depois d’esta vida inda outra vida.
Não se reduz a nada um grão d’arêa,
E havia de a nossa alma, a nossa idêa
Nas ruinas do pó ficar perdida?
 
 
– Isso que pensa e quer (até me admiro),
Isso que a luz nos traz, que a luz nos leva,
Isso que me abre o céo que ao céo me eleva
N’um teu cançado olhar, n’um teu suspiro!
 
 
Onde, não sei eu bem, mas sei que existe
Deus remunerador. Depois de mortos
Hemos de vêr-nos, e um no outro absortos
Fartar de glorias este amor tão triste.
 
 
– Tão triste, e o coração que me adivinha
N’este supplicio nosso este tormento!
Nunca dos labios teus minimo alento
N’um só beijo bebi em vida minha!
 
 
E morro sem te vêr! Cabeça doida,
Desasisado amor! Sonhar afflicto
Um sonho até morrer… Não: resuscito;
Morto tenho eu vivido a vida toda.
 

ROSAS

 
Trazeis-me rosas; d’onde as heis trazido,
Boa velhinha e minha boa amiga?
Rosas no inverno! permitti que o diga,
Sois feiticeira: d’onde as heis colhido?
 
 
Na primavera de meus annos, ólho,
Mas vejo abrolhos e não vejo flôres:
E vós colhêl-as, como as eu não colho…
Sois feiticeira— enfeitiçaes d’amores.
 
 
Enfeitiçaes que a formosura, crêde,
Não vem da face avelludada e bella;
A formosura vem só d’alma; é d’ella
Que brota a fonte que nos mata a sêde.
 
 
Vós sois velhinha, já não tendes côres
Que o rosto animem e que os olhos prendam,
Mas tendes prendas que o amor accendam,
Tendes ainda no inverno… flôres.
 

Evora.

ROSA E ROSAS

 
A Rosa trouxe-me rosas
E nada mais natural,
Mas eu prendas tão mimosas
É que não tenho; inda mal.
 
 
Quando tinha, se me désse,
Não digo mais que uma flôr,
Talvez de flôres lhe enchesse
Esses cofrinhos d’amor.
 
 
Aguas passadas, Rosinha!
Deixal-o; veja se vê
N’este chão que já foi vinha
Coisa que ainda se dê.
 
 
Veja e escolha. Está na mesa
O que ha em casa; é tirar
– Tirar com toda a franqueza;
Inda hão-de espinhos sobrar.
 
 
Mas se espinhos, mas se abrolhos
Lhe não agradam, amor!
Mire-se bem nos meus olhos,
Que ha-de ahi vêr… uma flôr.
 

Evora.

A HERMANN

Por occasião d’um beneficio a um asylo
 
«Conchega a mãi ao peito o filho caro;
Estende a pomba as azas no seu ninho
Pelos filhinhos seus.
Embala o arbusto agreste; o fructo amaro.
Guia a bussola o nauta em seu caminho,
Como um dedo de Deus.
 
 
«Bebe a nuvem no mar, no rio a fera;
Acha o tigre covil na antiga Hyrcania,
Hoje em dia, Ghilã;
Renasce a planta á luz da primavera,
E no calix da flôr gotta espontanea
Cahe á luz da manhã.
 
 
«Só eu no mundo um gosto em vão pretendo:
Guebro entre os persas, entre os indios pária,
Judeu entre christãos,
Só eu debalde ao céo as mãos estendo,
Como o naufrago á praia solitaria
Debalde estende as mãos.
 
 
«Tenho no livro azul onde Elle escreve
Esse nome, que nunca pronuncia
Quem bem o soletrou,
Mil vezes tenho lido que não deve
Queixar-se mais que a flôr que vive um dia
Um verme como eu sou.
 
 
«Porém, chorando, as mágoas diminuem.
Custa muito soffrer sem que um gemido
Ah! solte a nossa dôr.
E se aos olhos as lagrimas affluem,
É que este allivio nosso é permittido.
O céo orvalha a flor.»
 
 
Diz isto o orphão. De alma os ais lhe sahem,
Como os suspiros de harpa eolea em ermo.
Ninguem no mundo o ouviu.
Mas, se a teus pés as lagrimas lhe cahem,
Tocou a mão de Christo a mão do enfermo;
O Lazaro surgiu.
 
 
Por isso, Hermann! espantas-me. Não scismo
Nos prodigios da milagrosa vara
Que o Senhor Deus te deu.
Teu coração, Moysés do christianismo!
Tua alma é que eu admiro, e te invejára
Se o que é teu… fosse teu.
 

Coimbra.

PRESENTIMENTO

 
Emilia! não vês a lua
Como vacilla e fluctua,
Ora avança, ora recúa,
E não ha passar d’alli?
Tu és a imagem d’ella;
És tão sympathica e bella,
Meiga e timida, que ao vêl-a
Me lembra sempre de ti!
 
 
Tu és o botão de rosa
Que abraçado á mãi formosa
Só folga, só vive e goza
N’aquella triste união;
Treme até de ouvir a aragem
Passar por entre a folhagem:
Emilia! tu és a imagem
Do mais timido botão.
 
 
Mas embora: o tempo gira.
Um dia o botão, que aspira
O ar da manhã… suspira
E levanta o collo ao céo:
Vê vir raiando a aurora,
Abre o seio á luz que adora,
Correm-lhe as lagrimas, chora…
Chora o tempo que perdeu!
 
 
Porque elle, Emilia! não teme
Que a luz da aurora o queime;
Elle suspira, elle geme
Por vêr a luz que o creou.
Nem tambem a lua pára:
Se algumas vezes repara
N’uma nuvem menos clara,
É um momento e… passou.
 
 
Não ha existencia alguma
Que não tenha amor; nenhuma;
Porque o amor é, em summa,
Essencia de todo o sêr.
Ha sempre quem nos attráia.
Mil vezes que a onda cáia,
Ha uma rocha, uma praia
Aonde a onda vai ter.
 
 
Tu andas já presentida
D’essa voz que te convida
A encetar n’esta vida
Ai! uma vida melhor…
E em breve desenganada
D’essa existencia isolada,
Darás n’alma franca entrada
A sentimentos de amor!
 

Silves.

MARINA

I. APPARIÇÃO

 
Como esse olhar é dôce!
Dôce da mesma sorte
Como se nunca fosse
Toldado pela morte:
 
 
Como se alumiasse
O sol ainda em vida
As rosas d’essa face…
Agora carcomida.
 
 
Colhesse-as eu mais cedo
E logo que alvorece;
Já não tivesse medo
Que a terra m’as comesse.
 
 
Mas pura, como a neve
Que ás vezes cahe na serra,
É que a nossa alma deve
Tambem voar da terra.
 
 
Gelasse a morte fria
A mão profanadora
Que te ennublasse um dia
A luz que dás agora.
 
 
É n’essa côr tão linda,
Rosa da madrugada!
Que sinto a alma ainda
Andar-me enfeitiçada.
 
 
Se um dia nos meus braços
Te desbotasse as côres,
Passavam os abraços…
Passavam os amores!
 
 
Oh! não: mil vezes antes
No céo lá onde habitas,
E os rapidos instantes
Que vens e me visitas
 
 
N’este degredo nosso,
Que tanta gente estima,
E eu, só porque não posso,
Não largo e vou lá cima.
 
 
Vem tu cá baixo, abala,
Deixa em podendo o collo
Tão terno que te embala,
E vem-me dar consolo.
 
 
Como essa imagem pura
Ah! sobrevive ao nada
E escapa á sepultura,
Tão fresca e perfumada!
 
 
Nunca uma noite eu deixe
De estar a vêr que existes,
Em quanto me não feche
O somno os olhos tristes.
 
 
E n’esse largo espaço
Que te não vejo, espero
Lhe contes o que eu passo
N’este aspero desterro:
 
 
Que assim que te não veja
É noite fria e escura,
Noite que mette inveja
Á mesma sepultura!